terça-feira, 23 de setembro de 2014

Roubo de tempo

O tempo tem sido roubado.
A premissa de que time is money não pode ser entendida como lenda, mito, como mentira. Tempo não é só dinheiro. Tempo pode ser ferramenta, estratégia, liberdade, e, aos olhos de alguns, pode representar um grande perigo. O tempo do relógio e do calendário entendido, ainda, como o tempo das relações, tempo de sensibilidade, tempo de afetar e se deixar ser afetado, tempo de sentir, viver e questionar, tempo de permitir. Esse tempo é perigoso.
Onde está nosso tempo? Tempo que entregamos um pouco por dia junto dos impostos, taxas, contribuições, votos...  Tempo que não é furtado, mas roubado, marcado pela violência da fome, do adoecimento, da alienação, que não nos deixa tempo para mais nada além de sobreviver.
Onde está nosso tempo? Que tempos são esses, em que não temos mais tempo para inventar, nem podemos ousar ter tempo a perder?!
O tempo tem sido sequestrado e capturado para fins que desembocam em carência, desilusão e desesperança. Chega de desvio de tempo! É tempo de ousar, reivindicar, politizar. Mais do que nunca, é tempo de amar! Amar, por novos tempos!

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

revoluciamar

o que seria, a mola propulsora dos atos de coragem, das dúvidas perigosas, das ideias transformadoras, das pequenas e grandes revoluções... senão o amor?
o que seria combustível de criatividade, inspiração pra poesia, azeite pra máquina última a ser substituída por nós e por nossa maquinaria-sentimental-demaquilada-impetulante-inconsequente, senão o amor?
o que seria fertilizante para os pensamentos e imaginações mais ousados, marginais, delinquentes, bonitos, apaixonados, inteligentes, inteligíveis... senão o amor?
os grandes políticos, conservadores e fomentadores de um sistema que muito bem funciona para que nada de novo aconteça, do que teriam eles mais medo, senão do amor?
e o amor, como capturá-lo, senão pelo roubo do tempo sensível-criativo-fluido-anacrônico de que dispomos (ou dispusemos) para vivê-lo? senão pela captura das relações em sua dimensão mais rica e multiplicadora: a dimensão dos encontros muitos que nos convocam a dar conta da alteridade, a buscar contorno na diferença... ?
como capturar a sede de amor, senão institucionalizando-o, banalizando-o, ou travestindo-o de tédio, preguiça, descrença e desalento?
há que se tomar cuidado com terras nas quais o amor é acreditado vão, inútil e ultrapassado... essas sim: tediosas, preguiçosas, descrentes, e, principalmente, desalentadas... há, no entanto, que se tomar cuidado, e não que se tomar remédio, repulsa, ou repressão frente a elas. terras descrentes não são inférteis. para tudo haverá espaço e alento, havendo espaço para amar. há que se cogitar que qualquer solo se faça fértil e frutífero quando se lançam nele sementes regadas por laços e alianças, por confiança, por apostas nas diferenças, por atenção às (in)certezas, por atenção aos conflitos, ao caos... e por amor.
há que se perguntar por que desagrada o nosso amor e a nossa capacidade de amar. de amar de forma pequena e simples, ampla e gigante. há que se perguntar porque desagrada nosso amor e nossa capacidade de amar as pessoas, as experiências, a natureza... de amar os encontros, a curiosidade, as possibilidades. há que se perguntar por que desagrada o nosso amor e a nossa capacidade de amar as pessoas e as possibilidades. há que se perguntar e que se manter teimoso e alegre. justamente porque são essas -as pessoas e as possibilidades - que, uma vez lançadas em processos de aliança, confiança e amor, são capazes e potentes o bastante para promoverem mudanças... aah, e as mudanças... !
há que se compreender que a mudança não é quista por quem se contenta com a vida e a disposição das coisas, das leis, da sociedade tal qual elas se dão atualmente. há que se compreender que a mudança é temida por quem está avesso às diferenças, e que isso não é inocente, não é obra do acaso. há que se compreender que as tentativas de mudança serão boicotadas por quem teme o amor.
há que se compreender, então, que acreditar e encabeçar as mudanças é também um gesto de coragem, de risco, e  que investir no incerto pode ser também um movimento político, criativo.
há que se compreender que nesses tempos de anestesia e manutenção do estado preguiçoso das coisas, investir e apostar em mudar é, imediatamente, investir e apostar no amor. e o amor, sim, é continente para infinitas possibilidades de vida, de encontro, de existência e de transformação.

amemos, pois!
para que no asfalto outras tantas flores novas e inimagináveis estejam à vontade, e floresçam(-nos).

"Qualquer amor já é
um pouquinho de saúde
um montão de claridade
contribuição
pra cura dos problemas da cidade"

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

divagando

Se na literatura , por exemplo, autores e personagens têm licença para serem loucos, cruéis, bandidos, mocinhos, apaixonados e céticos ao mesmo tempo, não seria o espaço literário também um espaço de fuga, descanso e permissão para sensibilizar-nos com o caos que desenha a vida real em sociedade, e inclusive autorizar-nos a estar em outros "papéis" na vida, ainda que em imaginação? E a  "licença poética", por exemplo, de que os escritores reconhecidos dispuseram/dispõem para cometer erros, deslizes semânticos e sintáticos, ou para inventar palavrasnão seria um aceno para algum possível desejo de não se dobrar a regras e dificuldades impostas, que são difíceis de serem explicadas/aceitas, bem como por vezes também são as regras e dificuldades da gramática (e da vida em sociedade)? Ou ainda, por que restringir essa licença, hierarquizando-a e cedendo-a apenas a alguns? Que mal teria se o acesso à reinvenção da linguagem fosse tal que também os erros dos não-poetas pudessem não ser entendidos necessariamente como erros, mas como invenções e possibilidades? 
Sei não... apenas divagando...

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

esses meninos

Tenho pensado um montão nesses meninos...
Nesses que não escolheram ser ladrões, marginais, que não pediram para ser "independentes", muito menos para serem sozinhos. Nesses meninos que saem pelo Brasil, batendo carteira, bagunçando nas feiras, chamando nossa atenção pra vida de abandono que levam, pras dores que assolam essas existências, no litoral, no sertão, na capital, no interior. Nesses moleques de pele queimada, barriga vazia e boca cheia de respostas, prontidão, palavrão... Nesses pivetes atrevidos, sem eira nem beira, que arriscam suas peles, suas crenças e seus sonhos em troca de pão, em busca de atenção. Nesses meninos que vivem às margens, sendo ignorados, lidando com indiferença, ou ouvindo de desconhecidos: "marginal", "delinquente", "ladrão".
Tenho pensado um montão nesses meninos... que, ainda assim, se arriscam a brincar, sorrir e que as vezes, penso, caem a chorar... calar... tenho pensado no peso do acolhimento, cuidado, carinho, atenção, alimento, cobertor, educação, cultura, parquinho, leite, ovo e pão.
Tenho me perguntado se não seria eu também um desses meninos, vivendo nesse universo sem condição. Não sei que caminhos eu escolheria se tivesse eu que gritar por alimento e atenção. Não sei nem se minhas pernas teriam força para seguir algum caminho, se em todo caminho eu fosse vista como a causa, o problema e a sujeira da questão.