segunda-feira, 29 de junho de 2020

raiva
cansaço
esgotamento
tristeza
insegurança
ansiedade
desilusão
medo
tensão
sufoco
rancor
frustração

terça-feira, 5 de maio de 2020

paguem seus funcionários

moro numa sobreloja. alugo uma casa que fica em cima de um comercio grande aqui da minha cidade. esse comercio movimenta um fluxo bem alto de clientes, encomendas, tem uma entrada e saída de caminhões com entregas que me surpreendeu quando cheguei aqui. 
pra acessar minha casa, passo pela entrada desse comercio e subo uma escada que é limpa pela funcionária deles, uma senhora.
durante as primeiras semanas do isolamento, esse comercio ficou fechado e agora eles reabriram as portas. essa senhora hoje apareceu aqui na escada que fica de frente pra minha casa pra limpar. numa conversa trivial da Thais com ela soubemos que ela não recebeu pagamento durante o tempo de quarentena pela pandemia. meu coração cortou. 
não é um comércio pequeno, é certamente o principal da nossa cidade no ramo, o impacto da falta desse salário no orçamento da funcionaria da limpeza certamente é bem maior do que o impacto de pagar por ele para esse comércio. Provavelmente o aluguel da nossa casa já pagaria esse salário... e outros aluguéis de um prédio aqui da rua do qual os donos desse comercio também são proprietários...
volto de um dia de trabalho em que atendi centenas de pessoas com problemas no pagamento do auxílio emergencial do governo, olho pra minha casa e penso que o dinheiro do meu aluguel está sendo pago para proprietários de comercios e de imóves que friamente se recusaram a manter uma (pelo menos uma) de suas funcionárias em segurança em casa durante a pandemia. 
é cada dia mais triste, desesperador atravessar essa vida sem ter o peito dilacerado por esse vírus vergonhoso da desigualdade social.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

luto

a gente ta vivendo um grande processo de luto(s)... pequenos e grandes, internos e internos, individuais e coletivos. Lutos de relações, de processos, de expectativas, de vidas, de projetos e de mundo.
cada conversa mais sincera que tenho com um amigo/amiga que seja mais íntimo de mim eu posso tanto compartilhas quanto testemunhar isso. Luto pela maneira que a gente vivia as emoções e as dores, enquanto o mundo concretamente perde tantas vidas, luto pelas escolhas que fizemos e que trouxeram cada um e todos nós até aqui, nesse momento que está tão difícil pra todo mundo, mas que cruelmente insiste em ser mais difícil pra uns que pra outros (os mesmos desfavorecidos e prejudicados de sempre pela historia).
cada vida carrega em si um universo de historia e possibilidades e dentro de cada coração que tem a chance ou que se permite a oportunidade de se distrair da anestesia, nessa quarentena, o luto invade. sorrateiro ou repentino, discreto ou avassalador, ele chega. paro pra reparar as vidas que me rodeiam e percebo que o pequeno mundo do qual elas fazem parte está em transformação, inevitavelmente.
estamos mais sensíveis, triste, maníacos, falantes, introspectivos, dorminhocos, insones... diante do isolamento enfrentamos espelhos em todos os cômodos da casa e enxergamos imagens sem filtros, resgatamos arquivos antigos, fazemos faxina pra lidar com o lixo que nós mesmos temos produzido, dentro e fora.
a gente ta vivendo um grande processo de luto... na minha vida, to em luto pela juventude que ta com cara de fim, pelo projeto de casamento que estaria se concretizando nessa semana e foi adiado, pelas ultimas semanas todas (incluido aniversarios meu, da minha irma, do meu melhor amigo) sem poder abraçar, beijar e trocar toque com as pessoas que eu amo, luto pelo país que eu sempre critiquei e sofri tanto, mas que parece desmoronar, e ninguém faz ideia do que vai vir... luto pelo trabalho que continuo prestando ao municipio onde vivo (nao estou mais em casa todos os dias) mas que diariamente se confirma contraditorio e insuficiente, bem diferente do "essencial" estampado nos decretos e diários oficiais. Tudo que vinha sendo é cheio de problemas, sujeira, fedor, mau-jeito, contradição... e precisava morrer. Tudo que vinha sendo construído está em transformação. Ninguém, absolutamente nenhum de nós tem algum controle sobre essa surrealidade que a gente ta vivendo. Estamos lidando com crise existencial, mundial, de saúde, politica, economica, tudo ao mesmo tempo e a gente nao sabe como vai ficar depois que isso passar. Tudo morre. Os ciclos encerram, as relações, quando se transformam, também morrem para nascer de outra maneira. Nós, nossos familiares, amigos, colegas de trabalho estamos expostos a um vírus biologico, tantos vírus politicos e inumeros fantasmas que ameaçam a gente de adoecer todo dia, do corpo, de forme, de desgosto. E a gente ta vivendo um grande luto.. eu olho pra dentro de mim e me dou conta que dentro do que me construi até hoje... nao tinha como nao ser assim.
Me deparo com solidao, tédio, choro fácil, sonhos férteis, frases que saltam da boca antes que eu possa filtrar, frutração, e luto. Luto de incerteza, de transformação, decantação no tempo... lento... em movimento, mesmo que parecendo parado. Luto.. luto de choro, de melancolia, luto de mudança. Luto de coração e espero que, coletivamente também, luto de verbo.


quarta-feira, 8 de abril de 2020

diário de quarentena - dia 20

Estamos no meio de uma pandemia. Um vírus do qual todo o mundo, a essa altura já ouviu falar, uma doença que recolhe 1/3 da população mundial dentro de casa, que amedronta os que não têm onde se abrigar, que seleciona os que não têm renda para se exporem à crueldade do risco de morrer de fome ou de doença.
São algumas semanas em isolamento social, tendo contato físico apenas com a minha noiva, conversando com as outras pessoas apenas pelas redes sociais, acompanhando notícias e tentando acompanhar também minhas intuições e meu corpo ao longo desse processo...
Não, eu não tentei estabelecer uma rotina nem de trabalho, nem de exercício físico, nem de cuidados com a casa, nem de atividades de bem-estar nem porra nenhuma. Foram vários os dias em que eu levantei ás 08h ou 09h da manhã porque eu estava descansada. Também têm sido vários os dias em que eu acordo às 12h, 13h, até mesmo 14h e só levanto 15h da cama porque estou melancólica com o cenário todo.
Tenho uma companhia ótima pra esses dias de quarentena. A gente tanto arruma quanto bagunça nossa casa. Nossa louça já esteve toda organizada, limpa e exemplar, como -nesse momento, não pela primeira vez- já esteve pela casa suja registrando nossas inseguranças, tédios e falta de direcionamento.
Tive dias esperançosos. Tudo isso há de ter alguma razão. A gente precisa aprender enquanto humanidade... Hoje eu estou amarga. Melancólica mesmo. A gente não aprende. A gente se destrói. Nossa humanidade é formada por idiotas perversos suicidas.
Minha espiritualidade nunca esteve tão aguçada. Todos os dias eu rezo, não porque estabeleci uma rotina pra isso, mas porque quando me dou conta, já comecei... e tem sido um mergulho muito curativo em mim mesma e muito importante pra me manter em algum tipo de vibração que eu ainda não entendi direito... mas que parece que me mantem em algum eixo... Minha relação com meus guias, em especial meu Preto Velho e meu guardião Exu, estão mais sensíveis do que nunca. Eu percebo o momento de acender uma vela, de deixar o choro chegar, de me recolher em meditação, de pedir pelos meus, de agradecer por mais um dia, os ensinamentos estão mais perceptíveis, os recados estão chegando e as confirmações também vêm mais rápido, o preenchimento do meu peito com amor é imediato, as lágrimas ocupam meus olhos sem que eu consiga controlá-las e, em se tratando de mim, isso é ótimo.
Não achei que minha geração ia viver isso de pandemia, viu... eu não tinha criatividade pra isso não. Lembro de em 2018 eu temer verdadeiramente o retorno dos militares nas ruas perseguindo pessoas como eu e muitas das que eu amo, convivo, admiro, enfim. Uma pandemia?! Semanas em casa? Abraços que a gente não sabe se colocam as pessoas em risco?! Não... quem poderia prever?!
Enfim...
Esse texto todo não tem nenhum sentido mesmo... é mais um despejo de frases e pensamentos, como esse espaço todo que, não por acaso, eu nem divulgo mesmo.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Casamento em tempos de COVID-19

Eu sempre ouvi dizer que alguma coisa foge do controle, sai do planejamento. Casamento sempre vai ter aquela história de imprevistos... Eu tava acalmando meu coração e ficando em paz com isso. Podia ser a chuva, alguém que engravida e não pode ir à festa, gente que falta, que adoece, gente que vai à mais hahahaha, muitas coisas que fogem do roteiro... Uma pandemia que paralisa as pessoas, fecha as lojas, instaura medo e preocupação em todo mundo e de repente obriga a gente a interromper o planejamento de quatro anos pra ficar em casa?! Com essa eu não contava. É imprevisto raiz.
Já passou de um tudo aqui na minha cabeça... por que a gente?! é a primeira coisa que vem em mente né. Eu to tentando acolher os sofrimentos da menina que se empolgou com o casamento que estava prestes a acontecer e que agora precisa ser adiado. To tentando chorar o fato de que não vamos casar quando estivermos fazendo aniversário de namoro. Que nossa numerologia vai dar 3 e não 11, que saímos de um mês de pouca chuva pra um mês que... enfim... seja o que Deus quiser! Quando esse choro passa, eu tento lembrar que o importante pra gente vai acontecer. Nós vamos casar. Talvez esse tenha sido o jeito que a vida deu, pra que seja mais do nosso jeito... Vai saber?!
Vamos passar por essa fase, tomando conta da gente, acolhendo (à distância) os nossos, lavando as mãos, dobrando os joelhos, mantendo a mente arejada. Vai ficar tudo bem. Não vamos inverter nossas prioridades agora!
Enquanto casal a gente sempre se identificou com as construções de comunidade, com a força do coletivo. Nesse momento, o coletivo pede atenção, o SUS pede atenção, as vidas de todos pedem atenção. Olhando o significado e a força desse momento, a adulta que está frustrada com as papelarias já impressas na data de 02 de maio consegue olhar nos olhos da menina emburrada e sorrir com alguma tranquilidade, ainda que contraditória... por que não a gente?!

Casamento é ritual coletivo. Pra família que esse casório ta selando, vida boa é a que se vive junto. Pra isso ser possível, precisa rearranjar então. Vamos lá... habitar nossos valores, olhar pro coletivo, repensar nossos hábitos, o consumismo, nossa relação destrutiva com a natureza. Reavaliar prioridades. Como vai ser, no final do ano, poder abraçar e beijar quem a gente ama depois de ter passado um tempo em quarentena, em isolamento? Ainda vamos priorizar tanto assim nossos telefones? Os stories? Quem sabe depois de tanta ausência, a gente possa finalmente estar mais presente... 'Ai se sesse...!'
São muitas incertezas. Todo o excel de planejamento é colocado em xeque nesse momento. Precisamos parar. Ficar em casa. Lavar as mãos. Irônico... A vida tem suas maneiras de escancarar pra gente o que a gente, enquanto humanidade, ta fazendo errado. Daqui algum tempo vamos estar fortalecidas por ter atravessado esse período com cara de fim do mundo, e, se tudo der certo, estaremos bem. Quem sabe?! Não adianta tentar adivinhar... Que esse período seja inventivo, de alguma forma. Que a gente aprenda a usar as redes sociais pra nos apoiarmos e nos fortalecermos em vez de nos anestesiarmos apenas. Que quando os encontros presenciais finalmente voltarem a acontecer, a gente possa valorizá-los mais. Presentear os nossos com nossa presença inteira, completa, cheia de incoerências, cheiros, afetos...
Eu não sei se vai ficar tudo bem... Sinceramente, eu acho que não. O mundo ainda tá complicado, nossa gente ainda ta desamparada, ainda tem muito egoísmo e mesquinhez no dia-a-dia. Mas também aposto no descanso de valorizar o que a gente tem. Ainda existe rede, apoio, solidariedade, amor, música, relação. Espero que quando essa cacetada que a vida ta dando passar, a gente esteja mais forte, mais disponível, mais atento e com mais coragem de estar. No fim do dia eu e a Thais não temos nada de especial pra que tivéssemos sido 'poupadas' desse transtorno nesse momento. Já esse transtorno, NESSE MOMENTO, olha... certamente ele tem muito ainda o que nos ensinar e fortalecer. Então... de algum jeito torto, estranho, que eu até duvido quando escuto, a menina emburrada e a mulher frustrada dentro de mim se olham e também sentem algo como: 'que bom que foi com a gente'... Vai entender...
É tudo bagunçado assim mesmo... E ainda é o 1º dia oficial da minha 'quarentena' de sei lá quantos dias.