quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

falando de amor

Estou falando de usar menos talheres, de escolher menos as roupas, de pentear menos o cabelo, de mudar o penteado, de andar descalços, sujar os pés na lama, construir castelos e fazer desenhos, rabiscos, declarações na areia. Estou falando de queimar o pé no chão quente do asfalto, de chorar a dor de perder, a dor de cotovelo, dor de dente, dor de viver, de chorar de rir. Falo de assistir mais vezes ao sol nascendo e se pondo, de deixar a chuva molhar, de escutar sobre a vida de um mendigo, de sorrir pra gente estranha, de falar mal na cara do vizinho, de reclamar do que indignar. Falo de contar piada pro porteiro, pendurar recado no elevador, usar mais vezes a escada, descer a ladeira escorregando de bunda num pedaço de papelão. Estou falando da orquestra conhecer o funk, da madame suar no samba, e gastar o salto no forró, e ainda, da favela cantarolar Caetano, Chico e dançar tanto ao som de Gilberto quanto de Preta Gil. Estou aqui falando sobre falar de amor em mesa de bar, em consultório médico, e de ir mais vezes ao bar, e, quem sabe, menos vezes ao médico. Estou falando de interromper algumas reuniões, de faltar em outras, de dar telefonemas inesperados, fazer visitas inesperadas, abraçar gente querida, ter por “querida” gente nunca antes vista, mostrar mais vezes o dedo do meio, falar mais palavrões, escutar música alta, dormir horas a fio depois de uma boa noitada, passar horas sem dormir aproveitando certo momento, como se não houvesse mais nada. Estou aqui falando de dar risada na frente do chefe, de dar a cara à tapa para a mãe e o pai no almoço de domingo, de dizer o que pensa ao melhor amigo e também ao inimigo, de ser sincero nos relacionamentos, de se jogar num relacionamento, ou de abrir mão deles se achar que não couber. Falo de ir a lugares inéditos, arriscar mais pelos processos, e menos pelos resultados e méritos, dançar mesmo sem haver música, cantar sozinho no meio da rua, pular de altas montanhas, dormir na grama,  expressar ciúmes, dor, mágoa. Estou falando de amor. De escrever uma carta de amor, de escrever um poema de amor, de fazer amor. Estou aqui falando de entrar em contato com a nossa imaginação, com nosso desejo, nosso sofrimento, com o fôlego todo que temos, e que querem nos fazer esquecer, querem nos fazer des-perceber.