sábado, 20 de dezembro de 2014

violento

Escrever é violento. Escrever assim, desse jeito, em palavras, verbos, orações, exclamações e reticências... É desafiador, é violento, sim. Chega a ter um quê de sacrifício. Tem que se haver com as (in)experiências todas que em nós já começaram a ser escritas, inscritas, atravessadas, tatuadas. Tem que se haver com nossas inscrições e tentar transcrever. Mas como é que faz isso? Como transcrever sem tentar (re)visitar as nossas marcas, sem que isso seja intrigante, e por vezes até doloroso? Como lidar com as palavras e dispor apenas delas para simbolizar, para reinventar, pra dar sentido?  Há quem diga que escrever seja terapêutico. Pode ser.  Mas, ainda que seja terapêutico, escrever pode ser também violento. A violência pode ser terapêutica (?). Sei lá. Isso vai longe.
O atrevimento de palavrear coisas que transbordam o universo das palavras... isso evidencia e faz saltar aos nossos olhos o fato de que somos limitados. Nem tudo é possível de ser narrado.
Há um certo tempo tenho estado distante das palavras, tanto as escritas quanto as faladas. Não tenho conseguido comunicar, refletir e questionar de outra forma e em outro ritmo que não digam respeito ao meu corpo e aos afetos que o movimentam ou o fazem parar. A verborragia, por algum tempo, capitulou. A comunicação passou a depender mais dos fragmentos de discursos outros, dos gestos dos corpos todos, e dos restos do que se desconstrói em mim. Ultimamente, mais do que as palavras e o ritmo delas,  seu tamanho e os formatos que cabe a elas, é o corpo que tem gritado, pulsado, movimentado, ele é que chora, ri, derrete. O corpo também é memória. Ele tem meus registros. Ele também inquieta, mobiliza, (des)percebe e con-vida.  As palavras tecem textos, e o corpo é tessitura. Uma vez silenciosa, fiz do meu corpo, caderno, diário, página de rede social.  Estou sendo atravessada pela vida e toda a turbulência que lhe cabe, num tempo que não sei nomear... Um tempo que mede e intensifica nossas inquietações e que, pra além do ritmo batido e martirizante dos relógios comuns, pode pulsar e dançar, ainda, no ritmo desassossegado dos afetos. As palavras são insuficientes e, por vezes, nos traem. Lançado nas experiências, e vivificado pelo encontro com as diferenças, até mesmo o corpo, ainda é pouco. Aqui, a implicação desse corpo também pode parecer violenta.  E a vida não cessa. A vida transborda para além das caixas, rótulos e formas de expressão que nos são apresentadas como possíveis. A própria noção de "possível" se desloca. Existir é inventar outros mundos, e os mundos podem ser bastante violentos...

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Diz ai!