quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Sobre as aulas da T.O.

Sair do determinismo psíquico da psicanálise e compreender mente e corpo sendo realmente indissociáveis tem sido um processo desafiador e prazeroso para mim. É como se eu precisasse me afastar um pouco da Psicologia e suas maiores “verdades” (entre muitas aspas) para poder questioná-la, criticá-la e novamente achá-la bonita e válida para mim, para minha prática profissional.

A vivência desse módulo parece ter me apresentado substratos para admitir aquela noção primeira que eu tinha de psicologia, dentro das idéias (que eram apenas impressões que eu tinha) de empatia, escuta, acolhimento e até mesmo do que pode ou não poder ser uma intervenção. O vídeo no qual acompanhamos histórias de psicóticos veio a mim sublinhando a importância de se observar o outro através dos seus gestos, das expressões do rosto, das formas de se curvar o corpo, do passo reticente, das mãos agitadas ou do olhar fixo e fugidio ao mesmo tempo.

Poder me dar conta, não somente de que o corpo fala, mas de que pode ser que ele seja o único a falar, me preocupou muito em relação a minha profissão, e a minha compreensão de mundo. Eu estaria pronta para entender e lidar com o que me é dito em silêncio? O universo paralelo de um psicótico sempre me encantou, bem como algumas visões de mundo que se apresentam a partir deles. Mas como eu daria conta de acolher alguém em sofrimento, sem que esse alguém falasse comigo, na minha linguagem?

Nesse sentido, a aproximação com a linguagem do corpo, com a linguagem do rosto, tem sido extremamente rica. As propostas interventivas que os estudantes de TO apresentam durante as aulas, sendo aceitas ou não pela professora como terapêuticas, em si, nas suas intenções já me alertam para novas formas de me relacionar com o universo particular do outro. Tenho me apresentado para um universo de novos signos, de novos códigos, no qual eu ainda sou leiga, mas que já desperta em mim imenso interesse e admiração, amparados pelo conhecimento adquirido e desconstruído no módulo.

Quando discutíamos ansiedade, a professora perguntou o que faríamos com uma pessoa que se mostra extremamente ansiosa na nossa frente. Lembro-me que respondi para mim mesma, mas a voz acabou saindo em voz alta, que eu daria um abraço nessa pessoa. Fui acolhida na minha própria ansiedade a respeito do que fazer com alguém ansioso em minha frente, e tive como resposta da professora que “sim”. Que às vezes um abraço é pertinente, por sua capacidade de “dar contorno” a alguém que se encontra disperso, desmanchando...  Entendi a razão, não mais de ter me matriculado, mas de ter permanecido nesse módulo, nesse momento.

Dentro dos dogmas aparentemente liberais da Psicologia, nem sempre se enxergaria com bons olhos a idéia de abraçar alguém, no sentido de ‘contorná-lo’ enquanto ele se desmancha. Na própria psicanálise, que eu gostava e ainda valorizo bastante, o abraço poderia ter uma série de outras representações e funções, que não fossem essa, de acolher alguém que se mostra vulnerável. Poderia até ser encarado com desconfiança, dependendo do caso, em função da “transferência”, da “resistência do paciente” ou das centenas de questões que encontrariam subsídios teóricos numa infância distante, enquanto o sujeito se desmantela e tenta dar conta de si próprio sozinho no presente.

Atos são pássaros engaiolados,
sentimentos são pássaros em vôo.
(Mário Quintana)

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